LIBERTINOS E LIBERDADES
Clara Pracana
O tema “liberdade” trás-me à ideia um outro, o dos libertinos. Tenho uma certa estima por eles, ou pelo menos pelo imaginário que a eles associo, alimentado certamente, concedo, pelas memórias de Casanova. Gente viva, amante da liberdade, do prazer e dos prazeres, e não os zombies entre o metrossexual e o assexuado que por aí pululam, neste nosso tempo em que parece que a hipersexualidade obrigatória está a sufocar o erotismo. Mas por que lhes chamaram libertinos?
Libertino tem a mesma raíz de livre, obviamente. Um homem livre para os gregos e para os romanos era o que não era servo. O que conferia direitos e obrigações. Um cidadão, portanto, que não estava sujeito aos constrangimentos do escravo. Era na polis, e pela polis, que essa condição era possível. Em casa (oikos), espaço das mulheres, crianças e escravos, era a necessidade que imperava. Asseguradas as necessidades em casa, era na esfera do público que o cidadão (que tinha de ter casa) se realizava e realizava o fim para que os homens tinham criado a polis: a liberdade de se autogovernarem e a eudomonia (tradução aproximada: felicidade).
Nos séculos que se seguiram, as esferas do público e do privado foram-se confundindo. Hannah Arendt, especialista nesta fascinante questão, chama a atenção para o facto de Maquiavel, num esforço de dignificação da política, ter sido provavelmente o primeiro a aperceber-se da coragem que tinha sido necessária para trespassar o privado e passar para a polis. Tinha ele morrido há pouco anos, quando Jean Calvin, conhecido entre nós por Calvino, perseguido pelos católicos, teve de fugir da França, seu país natal, para a Suiça. A liberdade religiosa não existia na Europa, nem foi com Calvino que passou a existir. Mas isso é outra história que não vem ao caso. O que é curioso, é que é este Calvino que cunha, pejorativamente, a palavra “libertino”.
Quem eram estes libertinos?
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